vendredi 3 juillet 2009

A revisão constitucional e a justiça

O Deputado do PAICV, DAVID H. ALMADA, deu uma conferência de imprensa, no dia 25, no período da manhã, visando responsabilizar os Deputados do MPD pelo facto de a Comissão Eventual de Revisão Constitucional ter chegado ao término dos seus trabalhos de discussão política, sem qualquer acordo. Convém esclarecer, que a última reunião tinha sido marcada para Terça-Feira, dia 23, às 15 horas, mas não foi possível concluir os trabalhos, uma vez que, face às propostas que apresentamos, sugeriram uma última reunião, Quarta-Feira, pelas 16 horas e 45 minutos, para nos darem uma resposta definitiva.

Iniciada a reunião, não só recuaram em relação a alguns consensos já alcançados, mas também declararam que tinham feito uma discussão interna e que não aceitariam as nossas propostas da véspera. Assim, percorridos os últimos artigos dos projectos de revisão apresentados, o Presidente da Comissão declarou que iria propor uma comissão de redacção, integrada por Deputados dos dois partidos. Fizemos, então, a nossa última declaração política, afirmando que não fazia nenhum sentido criar uma comissão de redacção, já que desde o primeiro dia dissemos que a reforma do actual modelo de justiça era uma questão essencial para nós e, não tendo o PAICV aceite as nossas propostas fundamentais para a mudança de paradigma da justiça cabo-verdiana, não fazia sentido rever a Constituição. Não é, pois, correcto, afirmar que os trabalhos foram suspensos. Chegámos ao fim das discussões sem acordo político. O Presidente ficou de convocar uma última reunião para elaboração do relatório final.

Descritos os últimos factos fundamentais, cumpre justificar, em traços breves, a nossa posição, em relação aos aspectos relativos à Justiça, que impediram um acordo de revisão, sem prejuízo de debatermos e esclarecermos oportunamente a opinião pública sobre outras questões relevantes desta revisão.

1. Os Deputados do PAICV devem explicar aos cabo-verdianos, a razão pela qual não querem a existência constitucional obrigatória de Tribunais de Segunda Instância (Relação), não obstante ser uma solução defendida pela generalidade da comunidade judiciária, pelas suas vantagens positivas para o sistema judicial, designadamente no combate à morosidade, na garantia de efectivação da carreira dos magistrados e na dinamização qualitativa da jurisprudência nacional.

Perante esta recusa, os Deputados do MPD apresentaram uma segunda proposta: constitucionalização com natureza obrigatória de Tribunais de Segunda Instância e introdução de uma disposição transitória que permita a entrada em vigor desta solução, num período de tempo razoável, a negociar, eventualmente com o próprio Governo. A resposta foi categórica: não aceitamos.

Ainda uma terceira proposta foi avançada pelos Deputados do MPD: acordo político entre os Deputados dos dois partidos para a introdução de Tribunais de Segunda Instância na Lei de Organização Judiciária, a ser aprovada nos primeiros meses do próximo ano parlamentar (Outubro ou Novembro). Resposta não menos categórica dos Deputados do PAICV: não temos mandato para tomar esta decisão.

E, assim, não aceitaram estas três propostas alternativas para o Tribunal de Segunda Instância, reconhecido como importantíssimo, pela generalidade dos operadores judiciários, por beneficiar directamente os particulares em termos de celeridade processual.

2. Os Deputados do PAICV devem, ainda, esclarecer aos cidadãos, a razão pela qual recusaram a proposta de audição parlamentar do Procurador Geral da República, antes da sua nomeação, à semelhança do que acontece actualmente com outros titulares de órgãos constitucionais. Note-se, que, aceitam que outros titulares nomeados possam ser sujeitos à audição parlamentar, menos o Procurador-Geral da República. Qual é a razão para esta recusa?

Note-se que a proposta de audição parlamentar visa reforçar a centralidade do Parlamento no sistema político-constitucional e abrange mais amplamente altos cargos civis, militares e judiciais.

3. O MPD defendeu no seu projecto de revisão que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça deve ser eleito pelos juízes que compõe este Tribunal, de entre eles. Os Deputados do PAICV insistem que esta nomeação deve ser feita pelo Presidente da República, de forma livre. Uma contraproposta nossa no sentido de ser nomeado pelo PR, mas sob proposta do colectivo dos Juízes do Supremo Tribunal de Justiça foi recusada. Num esforço de consenso, avançamos uma terceira solução: nomeação pelo Presidente da República, mas sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Depois de muita discussão, esta proposta foi aceite, mas dias depois recuaram e voltamos à estaca zero: o Presidente do STJ tem de ser nomeado pelo Presidente da República de forma incondicionada. A justificação para esta intransigência ainda não nos foi dada.

4. Os Deputados do MPD defendem que um Conselho Superior da Magistratura Judicial com poderes acrescidos, designadamente em matéria de supervisão das secretarias judiciais e nomeação dos oficiais de justiça, com autonomia administrativa e financeira, deve estar longe das interferências partidárias decisórias, directas e indirectas através do Presidente da República e da Assembleia Nacional. Eis a razão pela qual defendemos que a sua composição maioritária deve ser constituída por juízes, como garantia do reforço da independência do Poder Judicial. Num registo totalmente diferente, os Deputados do PAICV defendem que a maioria dos membros deste Conselho deve ser constituída por cidadãos designados pelo PR e cidadãos eleitos pela AN.

5. Os Deputados do MPD defendem ainda que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial deve ser eleito pelos magistrados judiciais, de entre os pares que dele fazem parte, e os do PAICV, pelo contrário, optam pela eleição de um magistrado por parte da Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos Deputados, com todos os conhecidos inconvenientes deste sistema. Ainda num esforço de diálogo político, avançou-se outras alternativas, mas os Deputados do PAICV não arredam pé: o Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial tem que ser eleito pela AN.

6. Os Deputados do MPD esclarecem, ainda, em relação à justiça, que:
a) Cederam numa nova concepção dos tribunais militares;

b) Cederam mais uma vez na sua proposta de o relatório sobre o estado da justiça poder ser apresentado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, pelo Conselho Superior do Ministério Público e pela Ordem dos Advogados, face à recusa em se aceitar a Ordem dos Advogados;

c) Cederam ainda no respeitante ao alargamento da legitimidade para fiscalização abstracta da constitucionalidade das leis, que incluía o Provedor de Justiça e a Ordem dos Advogados.

Todas estas cedências, importantes, aliadas às várias alternativas propostas em relação a cada uma das matérias apontadas, tinham como objectivo conferir flexibilidade à negociação política, em sede da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, e viabilizar um novo texto constitucional, o que demonstra o empenho e a determinação do MPD num consenso constitucional.

7. Ora, tudo isto demonstra que estamos, na verdade, perante duas concepções organizatórias diferentes, que espelham filosofias judiciais opostas: uma, a dos Deputados do MPD, que propugna o reforço da independência do Poder Judicial, como condição de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos e consolidação da democracia; outra, a dos Deputados do PAICV, que defende a interferência indirecta dos partidos políticos no Poder Judicial e o seu controlo através da maioria de políticos nomeados pelo Presidente da República e pelo Parlamento. Neste particular, não podemos titubear nem deixar dúvidas no ar, antes devemos ser claros, absolutamente claros: o PAICV quer controlar o Poder Judicial através de políticos designados pelo Presidente da República e o Parlamento; quer manter o STJ sob vigilância política do Presidente da República; quer que o Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial seja um Juiz comprometido com o sistema partidário, através da sua eleição pela Assembleia Nacional; finalmente, quer marginalizar a Assembleia Nacional no procedimento de nomeação do Procurar Geral da República e deixar o Governo e o PR de mãos livres para poderem escolher alguém que tenha a Magistratura do Ministério Público sob absoluto controlo político.

Os Deputados do MPD vão continuar a bater-se para o desenho constitucional de um novo paradigma para a Justiça e vão continuar a defender o reforço do Poder Judicial, a salvaguarda das liberdades públicas e a consolidação da democracia.

8. Os Deputados do MPD reconhecem que os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos sobre as razões que conduziram a esta situação. Por isso, declaram que estão disponíveis para um debate público com os Deputados do PAICV, na Televisão ou na Rádio, no dia e hora que escolherem, para que esta questão fique devidamente esclarecida.

9. Declaram, finalmente, que estão disponíveis para o diálogo, mas a condição para a revisão é corrigir o que está mal e não aprofundar um modelo de interferência política no Poder Judicial, que tantos males tem causado à credibilidade da justiça e aos particulares.


Muito Obrigado!

Praia, 30 de Junho de 2009
Mário Silva
deputado da Nação, MPD

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